Morte e vida do Severino

Foi o Nêumane quem me deu a triste notícia, logo na saída do Gazeta Esportiva no Ar, sexta: o Japi se foi.

Moacir Japiassu Lins  – se não o texto mais rigoroso, divertido e inteligente da imprensa brasileiro, pelo menos um dos raros que sobreviviam entre nós -, foi um amigo querido com quem tive a honra e o prazer de conviver anos a fio no falecido Jornal da Tarde, a grande renovação no gênero, desde o Jornal do Brasil da virada dos anos 50 para os 60.

O mesmo JB, onde fui apresentado ao Japi pelo Murilo Felisberto, criador do Departamento de Pesquisa do jornal, uma novidade preciosa que não sobreviveu à sanha da estupidez que assolou a mídia brasileira. E aqui tínhamos algo em comum: o gosto pela pesquisa histórica, sobretudo nas áreas da música e do futebol.

Vascaíno doente, Japi era capaz de escalar o Almirante de cor desde os tempos de Jaguaré ao Expresso da Vitória. Aliás, durante o curto período de existência do jornal do Mino Carta, A República, Japi assinou deliciosa coluna de futebol.

Ligadíssimo, porém, em seu tempo, era o farol para tantos focas e maus repórteres cujos textos passavam por suas mãos no JT, assim como nos anos mais recentes quando mantinha um blog cujo olhar perfurante não perdoava as imbecilidades produzidas pelo jornalismo brasileiro.

E, quando mais mordaz, gostava de assinar cartas aos jornais com o pseudônimo de Severino, nome pródigo em sua terra natal, a Paraíba.

Esmiuçador da história, era ao mesmo tempo um protagonista e contador de estórias.

Como aquela em que, jovem ainda, morando em Belo Horizonte, serviu a contragosto o Tiro de Guerra, um escape do Exército para os estudantes da época. Num dia de exercício, foi baleado por um inimigo, que, por sinal, acabou sendo, muito mais tarde, nosso companheiro no JT. Japi não deu bola e seguiu andando para desaponto do atirador:

– Japi! Você tá morto, sô!

– Morto, o c… Morta está essa m… toda, coisa de menino bobo.

Largou o fuzil, jogou o capacete no chão e foi embora de vez.

Japi, contudo, tinha seu lado paraibano. Andava com um revólver velho no alforje pra cima e pra baixo, e certa vez apareceu de súbito na minha casa no Morumbi. Com ar sombrio, queria uma conversa reservada e séria.

No escritório, colocou as cartas na mesa: queria um parceiro para matar o Murilo Felisberto, seu amigaço, responsável por sua ida ao JT, porque o diretor do jornal havia demitido sua mulher, a bela Márcia Lobo de texto irrepreensível.

Na hora me lembrei de um episódio contado por Almirante na biografia de Noel Rosa.

Madrugada adentro, um mulato forte e determinado decidiu peitar Noel e levar a morena ao seu lado no bar em que estavam.

No mano a mano, o mirrado Poeta da Vila não seria páreo para o mulato, o que o levou de imediato à janela da casa de Heitor dos Prazeres, sambista e pintor histórico.

Heitor, ainda estremunhado do sono interrompido, ouviu o pedido do amigo:

– Heitor, me passe a navalha que vou cortar um vagabundo.

Heitor ouviu e entendeu o recado. Noel, que de navalha em punho corria o risco de se cortar, queria mesmo era a intervenção do mestre em samba e malícia para resolver a questão por ele.

Heitor, então, foi ao bar, levou um papo com o malandro, que disse sim, senhor, e se mandou, deixando Noel com a mulata da hora.

Então, pedi calma ao Japi e fui lá levar uma charla com o Murilo, que muito se divertiu com tudo aquilo e resolveu a questão a contento.

E, se continuar puxando pela memória, a história de Japi e suas estórias acabarão num romance em dois volumes, por baixo.

Só me resta lamentar a partida do amigo, com quem não convivia há muitos anos, a não ser por meio de eventuais e-mails – ele, lá em seu sítio de Cunha; eu, aqui na minha chacrinha de Ibiúna. E mandar um abraço apertado à Márcia e outro ao filho Daniel, que vi nascer e hoje segue os passos dos pais com a mesma dignidade e talento.

 

 

 

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